Quantcast
Channel: Ricardo Lima – O Insurgente
Viewing all articles
Browse latest Browse all 157

Os Portugueses não são números

$
0
0

A quadrilha tecnocrata que a academia pariu, embriagada nos títulos que a pompa, a circunstância e a graça do financiamento público garante, erra. E não erra por se enamorar da matemática, fiel amiga do saber. Erra quando por ela se obceca, esquecendo outras prendadas garotas cujos cantares são fulcrais ao feliz entendimento de uma nação, do seu povo e das suas efemérides. Sou por vezes acusado de abraçar essa falácia e, de facto, não me é penoso admitir que a razão não está do lado desta e outra crítica que a mim dirigem. Errar é humano.

Mas os modelos que apresento, que importo, são a meu ver – e em retrospectiva julgo ter por vezes chumbado nesta explicação – inspirações apenas. Conselhos bem-vindos de um estrangeiro a quem, por mérito próprio, a fortuna sorriu. Portugal não é o Chile, a Suíça ou a Suécia – para muito pesar da minha veia juanista. Ao apontar o Chile como exemplo, faço-o como o pai que diz ao Marco para pôr os olhos no João, assíduo e aplicado, aluno prodígio. Estará este pai a dizer ao Marco para se metamorfosear no João ? De todo.

Da mesma forma, julgo ser pertinente apontar os bons ventos que destas terras nos chegam, sem querer com isso aplicar a “régua e esquadro” a boa novas que estes nos trazem. Já nos autoflagelamos que chegue neste acto de mímica das vanguardas europeias que tem sido a política em Portugal ao longo de séculos.

É o provincianismo do campónio que, em turismo na capital, se desfaz em tentativas de incorporar os tiques da burguesia citadina, apagando no processo o seu eu, o seu “Ego”. O “Ego” português está calcetado por séculos de tradição, pelas rotas migratórias a que a miséria ou a bonança nos destinaram, pelos povos que por cá passaram, em conquistas e reconquistas, por modos de ser e dizer que se moldaram nas nossas gentes e que moldaram as nossas gentes. Isso explica, em parte, uma descarada resistência à pesada pata do Estado, como uma mão invisível que, rejeitando a violência, faz do “para inglês ver”, do desenrasca e do deixa andar, da rejeição e do incumprimento de macacadas burocráticas, um pão nosso de cada dia – sem intromissões na quantidade de sal.

São padrões liberais, uns dirão, esta imensa vontade de obrar na lei. Não a contestando, mas ignorando-a. É de natureza católica esse repúdio pela injustiça, é a herança árabe, são ares visigodos, afirmarão os mais ousados, aqueles que por entre gabinetes e auditórios desbaratam o suor do contribuinte naquela profissão que, apesar de recente, ganha – em certas figuras – contornos semelhantes à primeira: a do Investigador. Nada disso, besteira. São padrões portugueses, coisa lusa, cosa nostra.

A pretensão de salvar o país com modelos matemáticos saídos de empurrão de umas tantas cubatas cimentadas a que os mais visionários resolveram apelidar, quiçá por simpatia, de Universidades e Institutos é o mesmo que pretender salvar o Casamento com rosas, bombons e travessias de ferry a Marrocos. Ao início parece que tudo vai correr bem, a quem está de fora o cenário é positivo, até se deparar com um mancebo magrebino no próprio leito. Ora, no pós-operatório desta road-trip literária, retorno ao início. Da muitas sodomizações ao latim que a esquerda-caviar do rojão e do favaios promove, “os portugueses não são números” é dos poucos chavões cujo conteúdo foge ao desnível comum.

Para exemplificar – prevendo que corra o risco de divagar a Jurerê sem deixar a Old Albion – eu fui, ao longo de bastante tempo, um acérrimo defensor da reorganização autárquica nos moldes que nos impingiram. Mas, ao longo desse tempo, o contacto com as diversificadas realidades que o país acolhe, o debate com quem, na matéria, tem um conhecimento francamente superior ao meu e a constante reflexão que levei a cabo com os meus botões levaram-me a concluir que este seria (ou será) um passo em falso, totalmente desfasado do país em questão. E como este, muitos outros.

Naquele papaguear de números é frequente que a erecção intelectual dele decorrente nos leve a um fetiche temporário – ou perpétua em certos casos – por modelos, teorias e propostas cujo valor matemático é inquestionável, mas cuja aplicação prática terá o mesmo sucesso de uma qualquer incursão minha no campo da plantação do abacaxi. Os portugueses não são números. E a essência do Liberalismo é verdadeiramente essa, o sentimento de nojo pela visão kafkiana com que muitos teimam em olhar a humanidade. Cada indivíduo é único, com os seus valores, os seus credos, os seus gostos e as suas aspirações. No modelo liberal, o homem não é uma ilha, isolado no Oceano. Abraça comunidades, organiza-se, projecta-se no colectivo, mas sempre por sua iniciativa. Curiosamente, rejeita a via socialista e a via católica de organização da sociedade sem que, contudo, não se lhe impossibilite a organização em comunidades que, voluntariamente, se organizem segundo os princípios referidos.

Querer fazer política rejeitando não só os modos de ser, as tradições, a cultura e os valores de cada um e das comunidades em que este se projecta não é apenas imoral e imprudente. É, sobretudo, a receita certa para uma barracada de proporções astronómicas. Mais tarde voltarei a esta questão, procurando ser mais objectivo na matéria. Até lá surgirão novos takes deste filme B que nos forçam a assistir. Venham Pipocas Caramelizadas.


Filed under: Diversos, Nanny State Watch, Política, Política Fiscal, Política Monetária, Portugal, Religião, Saúde

Viewing all articles
Browse latest Browse all 157

Latest Images

Trending Articles



Latest Images